Treino Nocturno na Arrábida

Como contei aqui, recebi o presente envenenado de ser o guia de um treino pela Serra da Arrábida que aconteceu na madrugada de Sábado para Domingo.
Entre confirmações e desistências de última hora, não sabia ao certo quem seriam os participantes efectivos neste treino. A única coisa certa é que este duraria entre 7 a 8 horas, e os quilómetros previstos para correr nos trilhos da Arrábida seriam algo entre os 50 e os 60. O track previsto era este, mas existiam vários pontos de escapatória para atalhar alguns troços, caso fosse essa a vontade do pessoal.
Quase 22h00 e começaram a aparecer os companheiros de treino. Primeiro o Paulo Martins, depois o Sommer, o Manuel e o Gonçalo, e por fim o Charrua, que fechou esta equipa de seis, para percorrer a Arrábida noite dentro. Curiosamente, de nós os seis, só eu e o Charrua não vamos participar na próxima edição do Ultra Trail Mont Blanc, mas ainda assim o treino serviu para propósitos diferentes para cada um de nós. Para mim para começar a meter quilómetros nas pernas depois da azarada etapa em Andorra; para o Charrua foi apenas um treino de adaptação a corrida nocturna com vista à participação no Ultra Trail Nocturno Lagoa de Óbidos da próxima semana; para o Paulo foi apenas para meter quilómetros nas pernas rumo ao Mont Blanc; e para o Sommer, Manuel e Gonçalo para treino de adaptação à segunda noite em prova para o UTMB, tendo estes iniciado este treino sem dormirem há já 37 horas.
Iniciámos assim o treino, todos diferentes na fase de preparação todos iguais na vontade de fazer quilómetros.
A noite estava brilhante com a lua quase cheia e o céu estrelado a fazer-nos companhia. A temperatura óptima para correr ajudou durante todo o percurso. Por vezes o vento assoprava para nós, mas sempre numa temperatura amena que nunca obrigou a vestir mais que a t-shirt inicial.
Começámos o treino com 8 quilómetros roladores para aquecer o corpinho, aqui e ali com um ritmo exagerado para o que se pretendia, o que chegou a assustar alguns dos presentes. Mas rapidamente chegámos à subida para o Formosinho, o pico mais alto da Serra da Arrábida, o que obrigou a acalmar esta energia bruta de início de treino. A subida para o Formosinho faz-se pelo lado interior da Serra, subindo pelo meio de trilhos empinados, sempre circuláveis mas com alguns troços de vegetação mais fechada. Quase no fim, um trilho mais empinado e voilá, chegamos ao pico mais alto da Serra da Arrábida, de onde se tem uma vista total de 360º. Por ser de noite via-mos apenas luzes, muitas luzinhas, que sabíamos que iam desde a Serra de Sintra, passando por Lisboa, toda a margem sul, Palmela, Setúbal, Tróia, até se perderem algures no infinito do Alentejo.

No ponto mais alto da Serra da Arrábida – Formosinho

Iniciámos a descida rumo à Praia de Alpertuche e foi este, talvez, o maior devaneio deste treino. Não pela descida do Formosinho a Alpertuche, mas sim por ter traçado o caminho por um trilho bem fechado, o que nos custou a todos bastante tempo, alguns arranhões e a mim uma t-shirt bem fixe agora cheia de buracos. Foi um quilómetro e meio por um trilho bem meu conhecido, que tem de ser corrido quase de cócoras, mas que agora no verão se encontra com a vegetação bem mais fechada do que o habitualmente já fechado. Bem tive de ouvir as reclamações de todos e a minha sorte foi que não ter levado comigo o livro vermelho, senão ainda teria a ASAE a bater à minha porta um destes dias… Terminado o “suplicio” deste trilho, percorremos a estrada nacional até ao início do trilho final que nos leva até à Praia de Alpertuche. Um trilho bem técnico a descer, que requer algum cuidado e onde quase todos demos umas escorregadelas valentes e batemos com o rabo no chão. Chegámos à praia e todos aproveitámos para comer qualquer coisa e reabastecer para a subida. Não desfazendo a companhia, estar à meia-noite na Praia de Alpertuche, com a lua quase cheia no céu estrelado, rodeado de mais cinco marmanjos é, digamos assim, muito pouco romântico… Romantismos à parte iniciámos a subida que há pouco tínhamos descido, desta vez rumo ao trilho que o Paulo denomina de Vale Encantado. Entrámos no trilho e foram meia dúzia de quilómetros pela zona dos Picheleiros e outra meia dúzia pelo Vale da Rasca, sempre num frenético sobe e desce, daqueles que não matam mas moem (e muito), típico da Serra da Arrábida. Como quem não quer a coisa chegámos ao Parque das Merendas, todos ávidos por reabastecer, já que os 30 quilómetros que já tínhamos percorrido esgotaram os líquidos que tínhamos connosco. Levávamos pouco menos de 5 horas de treino, e comecei a ouvir as primeiras vozes a pedir um atalho no track original.
A chegada ao Parque das Merendas foi bastante divertida. Poucos minutos antes das 3h da manhã e 6 “malucos” chegam a correr de frontal na cabeça, cada um com uma luz mais forte do que o outro. Uma meia dúzia de carros lá parqueados, onde avistamos um movimento frenético de bancos a endireitar e roupas a circular no interior das viaturas. Um casalinho teve mais azar que os outros. Estacionados a escassos dois metros da primeira torneira que nos apareceu à frente, teve de levar connosco por uns bons 15 minutos, até todos terminarmos de reabastecer e comer mais qualquer coisa para o resto da jornada.

A recompensa no final do treino

Arrancamos de novo, desta vez em direcção à Quinta dos Moinhos. Subimos, descemos e chegamos à Estrada Nacional. Com 35 Km nas pernas, o pessoal que não dormia há mais horas começou a ficar impaciente, e talvez com uma espécie de birra do sono, queriam atalhar pela estrada directamente ao ponto de chegada. “Inconcebível” pensei eu, fazer este treino sem ir à “Vigia” seria um sacrilégio e estávamos já, mesmo ali, debaixo dela. Contámos quilómetros, lá convenci o resto do pessoal que a distância seria mais ou menos a mesma, e lá nos fizemos trilho fora rumo à Vigia. Em boa hora o fizemos. Foi mais uma subida bonita por trilho, técnica sem ser massacrante e chegados ao topo mais uma vez uma paisagem indescritível. Reagrupamos e descemos novamente a Serra, por entre trilhos e estradão, até à estrada que nos iria levar perto da Serra do Louro. Já estava decidido que iríamos abortar a escadaria do Bando, o que teria sido a cereja no topo do bolo, mas nem a Serra de Louro o pessoal quis subir. Até ali todos tínhamos sido umas vezes tubarões outras peixinhos, mas agora o ambiente era mais de peixinhos fora de água do que de outra coisa. Uns com dores aqui, outros com dores ali, outros com muito sono, quiseram atalhar directamente para Azeitão sem passar pela casa da partida, ou melhor sem subir a Serra do Louro, tendo sido corridos 5 quilómetros de estradão até ao Alto das Necessidades, onde o Sommer ainda se deixou dormir enquanto corria por três vezes, tendo o treino terminado “sem honra nem glória” com três quilómetros de alcatrão até Azeitão. Aqui parece que todos tinham ressuscitado, e foi quase um sprint estrada fora, com o Sr. Ribeiro, dorminhoco há uns minutos atrás, agora a liderar as hostes como se fosse salvar alguém da forca.
No final terminámos este treino com 50 quilómetros nas pernas, percorridos quase sempre com boa disposição, excepção feita à descida do Formosinho que foi feita com muitos impropérios!!!

50Km depois, já de manhã

Alongamentos feitos, banho de água gelada nas pernas na Fonte das Adegas, e estávamos prontos para o último sprint do treino até às tortas de Azeitão. Não sei se foi da fome mas penso que foi a melhor torta de azeitão que já comi até hoje.
Obrigado a aos cinco amigos pela excelente companhia , votos de boa sorte para os que vão estar no UTMB daqui a quatro semanas, e se gostaram apareçam também no II Summer Trail Camp.

Continuação de bons treinos e de boas provas!!!

Nota: Leiam também a excelente crónica do Sr. Ribeiro sobre este treino clicando aqui.

Sobre mim…

Chamo-me Nuno Gião e sou um atleta de pelotão que gosta de correr longas distâncias. Se há uns anos atrás me tivessem dito que ia correr uma meia maratona eu chamaria louca a essa pessoa. Imaginem se me dissessem que em 2014 iria correr uma prova 100 Km... Actualmente corro Ultra Trails, participo em desafios de endurance na natureza e é sempre uma enorme satisfação que cruzo as mais fantásticas paisagens. Tento superar os diversos desafios a que me proponho. A vida é demasiado curta e bonita para ser desperdiçada sentado num sofá.

Be First to Comment

Deixe uma resposta

O seu endereço de email não será publicado. Campos obrigatórios marcados com *