Então e a festa pá?

Tenho assistido com alguma curiosidade a diversas discussões, sobretudo nas redes sociais, sobre os resultados dos atletas mais lentos nas provas a que se propõem realizar, sobretudo nas provas de maiores distâncias como as maratonas de estrada ou nas distâncias Ultra nas provas de trilhos e montanha.

Excursionistas, caminheiros, Zé dos Pincéis ou outros epítetos igualmente simpáticos, de tudo serve para ironizar um pouco com a prestação mais lenta de alguns atletas. E se pensam que esta questão é exclusiva cá dos Tugas estão muito enganados, na nossa vizinha Espanha também há quem “implique” (e bastante) com estes atletas, aludindo até ao facto de que o que dá interesse à competição, (na opinião dessas pessoas), é uma prova renhida e uma chegada com pouca diferença de tempo, se possível ao sprint, isto referindo-se a provas de Ultra Trail imagine-se.

Há assim um conjunto de pessoas, uns meros especuladores, outros meros espectadores, que opinam e gozam, na minha opinião, sobre o melhor ou pior desempenho de outras pessoas, muitas vezes sem nunca se terem atrevido a colocar no papel dessas mesmas pessoas.

Há aqueles que dizem que maratonistas são aqueles que correm os 42Km da maratona abaixo das 3 horas, há outros que por correrem uma prova de 80 ou 100 Km 30 minutos mais rápido que outros, já não consideram estes mais lentos ultramaratonistas. Enfim, há uma panóplia de “gozações” por aí, que efectivamente só servirão ao ego do “gozador”, já que aos verdadeiros “atletas” penso que isso passará verdadeiramente ao lado.

Estas pessoas deviam centrar os seus esforços, não a gozar com os atletas mais lentos mas antes a tentar mudar as organizações das provas já que são estas que decidem o tempo limite para terminar as mesmas.

É usual o tempo limite para terminar uma maratona de estrada ser 6 horas, assim como muitos ultra-trails poderão ir até às 48 ou mais horas, dependendo da distância e do maior ou menor desnível da prova.

Como trabalho com números, resolvi perder cinco minutos do meu tempo para fazer uma análise rápida e grosseira do que poderia mudar nas provas, se as organizações mudassem as regras de acordo com as pretensões destes pseudo opinantes das corridas.

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Comecemos então pela Maratona de Londres 2015, uma das grandes maratonas de nível mundial e com prémios chorudos para os vencedores. Para quem não tem ideia da dimensão da Maratona de Londres, este ano foram 43749 os atletas que finalizaram a prova. Por uma questão de facilidade, utilizei os resultados apenas do escalão masculino onde terminaram a prova 23226 atletas.

O vencedor da prova fez o tempo de 2:15:51. O 10º classificado fez mais 5,2% do que o vencedor. Já o 31ºclassificado, o último atleta de elite a ser classificado fez mais 8,4% do que o tempo vencedor. Até ao 40º lugar todos os atletas ficaram com uma diferença inferior a 10% face ao vencedor.

Aqui começa o aspecto subjectivo da análise. É razoável uma variação de 10% face ao tempo do vencedor para excluir os restantes atletas de uma prova? Ou deveríamos considerar uma variação de 20% e incluir assim cerca 390 atletas para a prova? Se saltarmos para uma variação de 30% já conseguiríamos incluir cerca de 1280 atletas na prova, será isto suficiente? Em qualquer ramo de actividade, uma variação de 30% é, salvo raras excepções, uma variação bastante significativa, pelo que considerando que todos os atletas com resultados superiores a 30% face ao recorde do mundo não pudessem participar nesta prova, teríamos de eliminar cerca de 95% dos atletas do escalão masculino que finalizaram esta prova.

Olhando agora para os resultados do Ultra Trail Mont Blanc de 2014, a prova de trail mais famosa do mundo, com os seus 168 Km e quase 10000 de desnível positivo, quem ficaria impedido de participar caso se aplicassem uns critérios do género dos acima expostos?

Em 2014 finalizaram o UTMB 1582 atletas e o vencedor fez o tempo de 20:11:44. Se considerássemos uma diferença de tempo superior a 10% ao vencedor, fiquem sabendo que apenas poderíamos contar com a participação de 5, sim CINCO, atletas. Por exemplo o 8º classificado de 2014, o nosso bem conhecido e campeoníssimo atleta Carlos Sá, terminou com mais 13% de tempo relativamente ao vencedor. Se considerássemos uma diferença limite de 20%, teria terminado a prova assim que o 21º atleta cruzou a meta, e se a variação máxima fosse 30% a prova terminaria à passagem do 43º atleta. O 100º atleta a cruzar a meta demorou quase mais 50% que o vencedor, e como comecei por referir terminaram a prova 1582 atletas.

Em resumo, se as organizações considerassem as pretensões desse núcleo de opinadores e adoptassem uma regra onde aceitassem apenas a participação de atletas com um tempo nunca superior a 30% relativamente ao ano transacto, veríamos a Maratona de Londres ser reduzida a 5% dos participantes e o UTMB a menos de 3% dos participantes. Façam esta análise a provas menos populares e eventualmente esta percentagem ainda se acentuará mais…

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Pergunto agora eu, são estes 5% de atletas que movem as massas? As transmissões televisivas certamente que sim, mas e o turismo, a divulgação dos países, das regiões, das gentes e do locais, a festa para os atletas e para os espectadores, onde se enquadra tudo isto?

Será essa a vontade das organizações? Pelos vistos não uma vez que de ano para ano os regulamentos das provas não diminuem o tempo para finalizar a prova. Na realidade são esses 95% de excursionistas, caminheiros e Zé dos Pincéis, que suportam financeiramente grande parte de eventos como os que referi e que decididamente fazem a festa acontecer.

Para concluir só tenho duas recomendações, uma para os opinadores: que criem e organizem as suas próprias provas e limitem a participação à meia dúzia de atletas de elite que conseguirem convencer a participar, se o conseguirem… Outra para os excursionistas, caminheiros e Zé dos Pincéis, nos quais me incluo, que terminem sempre dentro dos tempos definidos no regulamento das provas e continuem a participar e a fazer a festa; mais minuto menos minuto, mais hora menos hora, os nossos objectivos são cumpridos e a nossa realização pessoal ninguém a tira.

Continuação de bons treinos e de boas provas!!!

Sobre mim…

Chamo-me Nuno Gião e sou um atleta de pelotão que gosta de correr longas distâncias. Se há uns anos atrás me tivessem dito que ia correr uma meia maratona eu chamaria louca a essa pessoa. Imaginem se me dissessem que em 2014 iria correr uma prova 100 Km... Actualmente corro Ultra Trails, participo em desafios de endurance na natureza e é sempre uma enorme satisfação que cruzo as mais fantásticas paisagens. Tento superar os diversos desafios a que me proponho. A vida é demasiado curta e bonita para ser desperdiçada sentado num sofá.

2 Comments

  1. 30/07/2015
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    Os atletas de elite participam depois em Europeus, Mundiais, Olimpicos etc…
    Eles vão a Londres, Berlim, NY, Boston etc pq são muito bem pagos. Deixa la de pagar e vais ver se eles la aparecem.
    Aos críticos é deixa-los falar, quem perde o seu tempo a mandar abaixo alguém que se propôs a concluir um objectivo não merece sequer o respeito de terceiros. Para mim, numa ultra tem tanto valor o primeiro como o ultimo… e se calhar tem mais valor o ultimo pq o primeiro so sofreu metade do tempo do ultimo! 🙂

  2. 31/07/2015
    Reply

    Clap, clap, clap (são aplausos) …. não podia estar mais de acordo. Eu sou um Zé dos Pinceis ou Excursionista (tanto me faz) e embora diga que a opinião dos outros não me interessa, dou comigo de vez em quando a irritar-me com esses “opinadores” … mas sigo em frente … no fim dizes tudo, participando dentro das regras, nos tempos limite das provas e sentindo-me bem com isso, tá-se bem, aliás muito bem.
    Outra discussão parva deste calibre, é a malta do trail e a malta da estrada a discutir quem é melhor, mais duro …
    Corram páh, na estrada ou fora dela, divirtam-se, sejam felizes e respeitem os outros, sejam eles de elite, o último a cruzar a meta ou o que desistiu porque desta vez foi um dia não.
    Desculpa o testamento…
    Abraço

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