Estás numa prova de 101 Km. Sensivelmente com 80 Km e 3000 metros de desnível positivo nas pernas, acabas de ultrapassar o ponto mais alto do percurso e inicias uma longa descida que se estende por quase 10 Km. Por 10 Euros eras capaz de interromper a descida e voltar atrás em direcção ao cume? E por 20? Se calhar 50 Euros já te fariam pensar duas vezes…
Tinha eu ultrapassado o ponto mais alto dos 101 Peregrinos, cerca de 1500 metros de altitude, e iniciado a minha descida em ritmo tranquilo. Eram agora quase 10 Km a descer num estradão largo, com curvas e contra curvas que serpenteavam a montanha, onde o por do sol criava um bonito jogo de luz e sombras.
O Teodoro, o Gonçalo e o Jorge que seguiam juntos, tinham-me apanhado há uns metros atrás.
Seguia eu agora com eles. Lado a lado com o Teodoro, seguíamos alguns metros à frente do Gonçalo e do Jorge. Íamos na conversa, já não me recordo sobre o quê, e eis quando a vejo, ali, imponente, dobradinha mas em todo o seu esplendor, naquela cor que quase se confundia com a do estradão, uma nota de 50 Euros.
Exclamei: “Olha!!! 50 Euros!!!!” e o Teodoro, distraído, nem percebeu do que estava a falar. Agachei-me, esquecendo todas as dores de quem já leva 80 Km nas pernas, peguei-lhe com carinho e apertei-a na mão como que para que não fugisse para parte incerta. Continuámos a correr comentando a sorte de tal achado…
Continuamos a descida, fazemos uma curva à direita, e umas boas cinco dezenas de metros lá em baixo vem um atleta em sentido contrário. O que poderia fazer alguém com sensivelmente 80 Km e 3000 metros de desnível positivo nas pernas, acabado de ultrapassar o ponto mais alto do percurso e após iniciar uma longa descida que se estende por quase 10 Km, voltar para trás de novo em direcção ao cume?
O ar atarantado e os movimentos inquiridores do seu pescoço à procura de algo em todas as direcções do estradão, depressa me fizeram perceber que o que procurava aquele atleta tinha eu bem guardado na minha mão…
Ele continuou a subir e nós continuámos a descer até nos cruzarmos. Ele estava focado na sua missão de busca, farejando cada centímetro de estrada e poderíamos ter passado por ele como se fossemos invisíveis, pelo que iniciei eu o diálogo no meu melhor espanhol: Qué pasa tio?
Finalmente levantou a cabeça, olhou para nós, e respondeu desalentado algo como: Perdi 50 Euros. Tirei o telefone da bolsa para falar com a minha mulher, tinha lá uma nota de 50 euros e deve ter caído quando tirei o telefone.
O senhor estava tão desanimado que nem lhe ocorreu questionar se por acaso teríamos visto tal espécime monetário, e eu ali com a notita bem fechada na mão.
Resolvi brincar um pouco com a situação e rebuscando o meu melhor espanhol disse-lhe algo como: Encontrei algo mas foram só 40 Euros, serve?
O espanhol olhou para mim, não compreendeu a piada, e continuou, desanimado, a comentar a sua mala suerte. Repeti a graçola, o Teodoro ria, o Gonçalo e o Jorge que entretanto se tinham juntado a nós não percebiam nada do que se estava a passar e o espanhol contava-lhes de novo a sua mala suerte.
Sem se fazer luz na cabeça do espanhol, lá abri a mão enquanto disse: Mira…
Olhou para a minha mão e quando viu a nota ali dobradinha mas resplandecente, sorrio. Apresentava agora um ar de felicidade e descontraído riu com umas gargalhadas sonoras, não sei se por finalmente ter percebido a piada se por alegria de ter recuperado os 50 Euros (ou se calhar por ambas).
Agradeceu de novo, várias vezes, e prometeu uma cerveja se nos encontrássemos na meta.
Seguimos todos de novo, cada um ao seu ritmo.
Não o encontrei na meta nem bebi a cerveja, mas a boa acção ficou feita.
Continuação de bons treinos e de boas aventuras!!!
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