A noite no Vimioso foi boa conselheira. Além da boa recuperação tomei também boas algumas decisões acerca dos percursos a seguir nos dias seguintes.
Não podendo demorar duas semanas para completar todo o desafio, tomei a decisão de adoptar percursos mais rápidos, mesmo sendo necessário pedalar mais uma dezena de quilómetros, ao invés da ideia mais romântica de seguir pelos percursos teoricamente mais bonitos, sabendo que para isso teria de pedalar mais em estradas nacionais do que em estradas secundárias e caminhos.
Depois de um bom pequeno-almoço, reabastecimento de todas as garrafas e check-up feito à bicicleta, arranquei em direção à Penha das Torres, o ponto mais a Este do nosso Portugal.
Esta viagem por Trás-os-Montes e Alto Douro foi um autêntico “parte-pernas”, pelo terceiro dia consecutivo. Desta vez não eram subidas mais longas, mas sim muitas subidas de 3 a 6 quilómetros com inclinação de 4-5%, daquelas que não matam mas moem. Olhando de relance para o track vejo pelo menos 10 subidas com estas características.

Estava muito calor mas o percurso estava a ser divertido de se pedalar. Após a Ribeira de Angueira, num caminho de mato, avistei aquilo que penso ser um Gato Bravo ou algum parente próximo. Imaginem um gato doméstico, mas 4 ou 5 vezes maior, e com uma graciosidade no movimento bastante mais próxima dos felinos que vejo na televisão do que dos gatos domésticos. Era preto e se não soubesse que não há panteras em Portugal, era o que me teria parecido num primeiro momento. Devia andar a caçar algo e quando sentiu a minha presença, fitou-me por um instante e correu rapidamente para o meio das árvores não se deixando avistar de novo. Infelizmente nem tive tempo para tentar uma foto.
Depois comecei a cruzar os locais onde a língua mirandesa disputa com o português, toponímias, indicações, descrições e informações diversas, e é sempre extraordinário constatar o multiculturalismo que um país tão pequeno como nos apresenta de norte a sul.
Entretanto chego a Paradela, a aldeia que antecede a Penha das Torres, e vislumbro um café que me pareceu um bom local para comer qualquer coisa. Decidi ir primeiro ao ponto mais a Este e comer no regresso. Cheguei ao ponto mais a Este acompanhado do vento. Muito calor mas uma ventania desagradável que levantava a poeira da estrada e dos campos. Sentei-me e contemplei a paisagem o tempo necessário para energizar a alma.
Regresso a Paradela com a ideia de energizar também o corpo, mas não tive sorte nenhuma. É incrível como em Trás-os-Montes, uma região também tradicionalmente conhecida pela sua boa gastronomia não se consegue, em pleno Agosto, comer uma sandes de presunto (ou até só com manteiga), num qualquer café que se cruze. Simplesmente não há nada para comer. E não foi só na Paradela, foi igualmente num sem número de outras aldeias em que parei, muitas até pejadas de emigrantes, onde o máximo que se conseguia comer era um pacote de batatas fritas. Até em Espanha consegui comer bocadillos nos locais mais recônditos, pelo que de algum modo me surpreendeu esta falta de disponibilidade dos pequenos negócios locais naquilo que é o mais básico do negócio. Safou-me a “sandocha” que trouxe do pequeno-almoço para repor alguma energia ao almoço.

Retomei a jornada. A ideia era seguir até Freixo de Espada à Cinta ou, na melhor das hipóteses, até Figueira de Castelo Rodrigo pelo Parque Natural do Douro Internacional. Este Parque Natural era um dos que tinha bastante curiosidade em conhecer, mas confesso que não me entusiasmou particularmente. A estrada que percorri efectivamente cruza o parque, mas para além de se verem árvores e vegetação diversa, e aqui e ali uma ou outra ave de rapina, a paisagem e o percurso em si não foram muito entusiasmantes, em particular comparando com o percurso que tinha pedalado durante a manhã.

Pois foi assim com alguma monotonia e cansaço acumulado que ansiava por chegar a Freixo de Espada à Cinta. Não via vivalma há muitos quilómetros e já tinha bebido todos os 3 litros de água que transportava comigo. Como precisava de abastecer rapidamente, segui pela estrada nacional ao invés de seguir o atalho que tinha marcado no meu percurso, de modo a aumentar a probabilidade de encontrar um café ou uma bomba de gasolina abertos, e aí tive toda a sorte do dia. Não só encontrei um café, como encontrei tudo em um: café, restaurante, estalagem, e não foi preciso muito para me convencer a ali pernoitar, foi apenas necessário confirmarem-me de que tinham um quarto disponível. E assim pernoitei na Estalagem/Restaurante Soeiro Meireles em Lagoaça, onde a simpatia e disponibilidade das pessoas que lá trabalham foi da melhor que recebi ao longo de todo o desafio. Aí pude tirar a barriga de misérias com uma boa sopa caseira e mais uma bela posta mirandesa, que compensaram bem a ausência do almoço.
Terminei a jornada com:
Distância 115,8 km
Elevação + 1.917 m / -1.842 m
Desnível Máximo 11,1%
Desnível Médio 1,8%
Velocidade média 15,1 km/h
Continuava a somar atrasos ao meu plano inicial e para ajudar no dia seguinte, que deveria ser o dia da subida à Torre (o ponto mais alto), era anunciada chuva forte e trovoada durante a tarde, o que foi um bom tema para reflectir durante o sono.
Que grande aventura Nuno! Este ano vários amigos das corridas se lançaram ao desafio de percorrer os nossos caminhos de bicicleta! Adoro ler cada linha! Cada um descobre novos recantos que o anterior por vezes nem referiu! Cada qual sente a experiência à sua maneira! Obrigada pela partilha! Eu e Tiago estamos em fase de conclusão de um projeto (Bike’nHike) que pretende dar a conhecer a zona onde agora vivemos Almodôvar. Esperamos receber-te um dia! Beijinhos e parabéns!