Portugal Divide – Dia 9

O amanhacer estava bonito, o sol já espreitava e os passaros esvoacavam a chilerear. Tomei o pequeno-almoço enquanto o sol nascia e vislumbrava a Serra da Arrábida de um lado e a Peninsula de Tróia do outro. Era para ali, Tróia, que iria apanhar o ferry daqui a pouco. Trouxa arrumada e revisão à bike feita, atravessei a rua e practicamente estava no porto de Setúbal, onde comprei o respectivo bilhete e esperei pela chegada do ferry. Entretanto o sol risonho, dá lugar a uma tipica vaga de nevoeiro vinda de Tróia e que invade todo o Rio Sado. Não se viam mais de 5 a 10 metros à nossa frente.

O percurso para o dia ainda não estava fechado. Além das multiplas possibilidades que existem para chegar de Tróia a Faro, eu próprio ainda não tinha decidido ser iria fazer uma jornada longa ou se iria dividir os quilómetros que faltavam em duas etapas. Com todas estas dúvidas, preparei a metade do percuso que deveria ocupar a manhã e que me levou até Ourique.

Assim foi. Desembarquei do ferry e pedalei pela estradas já conhecidas de Tróia, Comporta, Carvalhal, Melides e Santo André, que noutras aventuras me levaram até Sagres. O nevoeiro tinha ficado em Setúbal e o sol estava alto e quente, obrigando a um constante repor de liquidos. Mesmo assim a média foi de pouco mais de 25 Km/h nos primeiros 50 quilómetros, o que era um bom ritmo nesta bicicleta e com toda a carga que transportava.

Agora tinha a, também minha conhecida, subida até Santiago do Cacém, onde parei para reabastecer os liquidos e reforçar o pequeno-almoço.

A pedalada em si não teve grande história. O Alentejo não é plano, mas as rectas são quase sempre num sobe e desce ligeiro, que não deixam que o percurso se torne monótono. E assim cheguei ao Cercal, a Colos, a Garvão e por fim a Ourique, parando sempre aqui e ali para reabastecer os liquidos.

Em Ourique, já com 135 quilómetros pedalados, permiti-me descansar um pouco e comi uma bela sopa acompanhada de uma sande de presunto e queijo, que serviram perfeitamente para repor energias. Em Ourique decidi também o percurso que faltava até Faro. Iria até Almodôvar de onde seguiria até Faro pelo interior, atravesando a Serra do Caldeirão via Malhão e Rocha da Pena, ao invés de seguir pela mitica EN2.

Separavam-me pouco menos de 30 quilómetros até Almodôvar onde cheguei tranquilamente. Almodôvar faz parte da EN2 e talvez por isso o número de ciclistas com quem me cruzei aumentou significativamente, assim num relance foram 7 ou 8, entres os quais um casal que ali ia pernoitar e me questionou se também andava a fazer a EN2. A minha vontade até seria ficar por ali, uma vídeo chamada com o meu filhote de 3 anos, em que começou a fazer aquele beicinho de saudade quando lhe disse que o papá se calhar só chegava amanhã, deu-me a energia e a motivação extra para pedalar até Faro, só “faltando” agora cruzar/subir a Serra do Caldeirão.

Como já referi decidi ir pelo interior ao invés de pela movimentada EN2. Fui sempre por estrada, pude desfrutar de um fantástico pôr-do-sol enquanto subia para o ponto mais alto da etapa, cuja aldeia mais próxima tinha o apropriado nome de “Cansados”. Atravessei o Parque Eólico já no lusco-fusco e toda a iluminação na bicicleta já estava ligada ainda antes de chegar a Malhão.

Entretanto anoitecera e já não tive oportunidade de visitar a Stupa Budista no Malhão, mas quando passei lá perto, no início da descida da serra, agradeci mentalmente a continuação de boas energias pelo menos até ao final desta aventura.

Depois deveria ser sempre a descer até Faro mas, quem corre ou pedala, sabe bem que essa frase feita não passa de um mito. E assim, nesse percurso sempre a descer, ainda tive de subir 3 quilómetros para a Rocha da Pena e antes de chegar a Loulé mais quase 5 quilómetros com 6% de inclinação, o que já pesava, pois naquele momento já ia com mais de 200 quilómetros nas pernas.

Por falar em 200, o quilómetro 200 chegou enquanto cruzava Brazieira de Baixo, e houve uma mini celebração mental por ter ultrapassado esta marca.

Ponto mais a Sul de Portugal continental: Cabo de Santa Maria. Conquistado.

Entretanto chego a Loulé e foi como chegar de novo à civilização. O percurso que tinha no GPS levava-me bem pelo centro de Loulé, onde apesar de toda a crise Covid, as esplanadas estavam cheias e as pessoas circulavam na rua com bastante glamour. Não sei se foi de ver novamente tantas pessoas juntas e a conviver, que falhei por três vezes o caminho que devia seguir. A vontade de chegar era muita e talvez já não fosse totalmente concentrado na navegação.

Lá consegui sair de Loulé e, chegado a Almancil, percorri por longos 7 quilómetros a mal conservada EN125 cheia de tráfego nocturno. Felizmente tive sempre bermas largas ou acessos paralelos por onde pude circular sem problemas. Assim que pude meti-me novamente por caminhos até ao Aeroporto, mesmo antes de chegar à Ilha de Faro. A envolvente ao aeroporto por onde circulei também se encontrava toda em obras e o trânsito estava um pouco caótico.

E assim chego à ponte que liga à Ilha de Faro.

Tudo está bem quando acaba bem 🙂

Atravesso a ponte e a famelga lá estava à minha espera, todos felizes por ter chegado bem deste desafio de 9 dias, onde as saudades foram muitas. Muitos abraços e beijinhos, mas ainda faltava chegar ao ponto mais a Sul, o mais perto possível do Cabo de Santa Maria. Recuperado das emoções, lá pedalei os últimos 3 quilómetros do Challenge Portugal Divide, tendo ali chegado ao final mesmo em cima da meia-noite.

Tudo está bem quando acaba bem, e foi o caso desta aventura.

Era agora tempo de gozar as restantes e merecidas férias em família.

Resumo do dia:

Distância 242,2 km

Elevação + 2.638 m / -2.643 m

Desnível Máximo 9,9%

Desnível Médio 1,1%

Velocidade média 20,5 km/h

Sobre mim…

Chamo-me Nuno Gião e sou um atleta de pelotão que gosta de correr longas distâncias. Se há uns anos atrás me tivessem dito que ia correr uma meia maratona eu chamaria louca a essa pessoa. Imaginem se me dissessem que em 2014 iria correr uma prova 100 Km... Actualmente corro Ultra Trails, participo em desafios de endurance na natureza e é sempre uma enorme satisfação que cruzo as mais fantásticas paisagens. Tento superar os diversos desafios a que me proponho. A vida é demasiado curta e bonita para ser desperdiçada sentado num sofá.

One Comment

  1. Gualter Amaro
    16/11/2021
    Reply

    Espetacular, Nuno! Belíssimos textos e fotos que me ajudaram a imaginar esses sinuosos caminhos pelo nosso país. Os dados que foste partilhando mostram bem que este Portugal Divide não é propriamente uma brincadeira de crianças, mas entre trilhos, estradas e estradões, já és um homem feito. 🙂

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